quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Sinestesia da anestesia

Eu disse uma vez que um certo sentimento era movimento. Não menti, mas fracionei uma verdade. Vida é movimento. Cada momento. Tudo te joga pra outro estado. Nada é gentil e imaculado. O viver é implacável e espelhado no sentir. E eu sinto. Cheiros, visões, texturas, gostos e sons. E tudo isso é embebido de passado, presente e futuro. E o problema maior, sinto eu, tá nos futuros. Ou seria pior o presente despercebido? O passado vem silencioso, encardido. Nossa pele fosse reflexo, seria um mosaico do que já fomos. Imagina só, que bonito, seríamos todos mais coloridos. Hoje eu amanheci pálido. E sem gosto. Cheiro fraco, falando baixo. Hoje eu me existi pouquinho. Mas hoje ainda tá indo. Indo, indo, indo.
E vida é movimento. Uma sinfonia em tecnicolor. Vento na janela balançando árvores que a gente pesca com o canto dos olhos. Pena, mas que imensa pena, eu tenho em saber que a música dos meus olhos hoje é o chorinho.

Qual é a minha cor? Qual é a minha cor? Qual é a minha cor?

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O concreto suave

Não é poesia. Porque eu estou literal. Então não adianta querer soar rebuscado, eu no máximo posso citar outra pessoa e distorcer os seus dizeres ao fazê-los deles os meus próprios.
Meus sentimentos, meus atestados, meus medos e desejos e saudades. Aquela tal de ausência em si. Você, a tal deusa de outros tempos, brincando de céu nessa terra de concretudes.
Então que posso dizer mais que te amo, se amo bem como o amor ama, e se quero mais que tudo dizer e dizer que te amo? É, te amo.

É concreto na cabeça.
Só que esse não pesa... me deixa leve.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Eu juro pra você

Sou sincero. Acima de tudo comigo mesmo. Natural. Surpreende a minha cabeça todo aquele que não aceita.

Só isso. Uma constatação solitária pra fechar a noite.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Crônica de sempre, poesia futura

Crônica



"O processo da criação narrativa é a transformação do demônio em tema." Obrigado, Vargas Llosa, pelo gatilho puxado. Quero ver aonde essa bala vai chegar...


Pois que não é esse mesmo meu companheiro de todas as horas versadas, o crônico das crônicas, os romances não escritos no papel? My fire, my hell. O que me impulsiona, seja no real ou no pedido em negrito do que escrevo, é o demônio do viver insatisfeito e o anjo que implacavelmente se emociona. Quando tô correndo em verso - bons calçados pr'esse chão pedregoso - juro que evito metaforizar. Mas às vezes não há como evitar ser lido assim, mesmo sabendo que eu lido com algo concreto. Pra mim. O meu fenômeno é uma onda, que de ontem pra hoje cresceu e me presenteou com um caixote. Juro que me surpreendi. A tal onda me enxarcou todo, me deixou tonto, pontuou uma adorada vírgula, eu ensopado dela - areia pelo corpo - e ainda quente. O meu olhar não mente: delata-me.
Então esse exercício aqui é exorcismo. Porque me veem hiperbólico e eu tô mais eufemismo. Eu sei muito bem o que sinto - enquanto eu não sentir mais. E o demônio tá liberto. É certo que a concretude tá na ausência. Olho e não há. Respiro e vem um cheiro. Reprise: eu sou dado a ter cheiros.
Dado me lembra que eu não tenho sorte. Um conjunto de eventos deprecia minhas apostas e números bons estão aos ventos. Lufadas de ares que me alvejam mais como o deus da guerra do que a deusa do amor. Fosse da paixão, eu já aceitaria melhor. Mas insatisfeito, tenho o peso da ausência. Haja paciência. E eu até tenho. Então espero meu demônio malandro - que não se contenta com essa crônica para mim mesmo - se aquietar.
Vai passar.
Enquanto isso, tem chocolate, capuccino, o maldito cigarro e uma velha bossa nova novamente à toa.
Se eu continuar escrevendo, vou me deparar com o tártaro ao invés desse batedor e seu rastro chamuscado. Ponto.
Pra quem?
Poesia
Eu acho sábio amar até se arde
Rogo penso muito de manhã
Que tarde
Mas chegue em outro amanhã
Começa com o fim do não iniciado
Anunciado o engarrafamento
Encenado
Enquadradado no crime do querer
Eu juro pra você
Que sincero é o coração perdido
Que não joga a toalha
Enxerga o fechamento
E se amacia na malha do real
Descobrimento
Eu sou descoberto
Por isso adoeço
O frio me envolve todo
Mas quando esquento
Te dou caneta papel sangue e tempo
Talvez você respire
Te deixo até sair do quarto
Pro fogo justificado
Que só vai ficar gravado em você

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Poema(s) de Barro(s)

Palavrando I (argilosamente)

Esse é todo um refazimento de muda
Do desconhecido toda se crescendo
Iluminada de sol, reluzente de vida
Primaverando: florescida

A gente tá todo dentro das plantas
Olhos fechados que sejam espirrados de pólen
E despertados.
Seguindo a partir do partido, deixando arco-íris no outrora
Enegrecido coração invernizado
Outra hora, outro respiro.


Palavrando II (vertigenssolar)

Você tá toda numa entrepalavra
Aquela que tem uma pra cá outra pra lá
E deixa um espaço a ser preenchido
Uma performance poética vocal
Na amplidão da nossa boca no céu da louca
Dessa casa grande
Onde tem espaço pro improviso

Samba flor gira gira
Sol me esquenta
Como a concretude das latinhas
De barros e areias, classicismos modernosos
Barrocando, água, chuvas vespertinas

Eu e você e um punhado de argila
Ou seria chocolate?
Jazz e cá
Rego de calor
O odor da vida
Que invade nossa tarde...
Tão cedo o toque das carnes
Frutifica a palavra nova
Que não se lê
Ninguém mais sabe, a gente não diz
Essa daí só eu e você


Palavrando III (ad-entre)

Atrás disto, você
Eu mescrevendo em aflição
Tinta que corre fácil mancha tanto quanto
Difícil mesmo é controlar
Lado alado de asa quebrada
Passarinho desapassarinhou
E pia

Seu Poeta, senhor maiúsculo,
me ensina esse olhar de ave?
Ave Maria, até faria
Reza braba de pazes
Olho que enxergue muito disso
Fazer e ter, sentir e ser
Pluralidades

Tô num momento de rima, eu juro
Entrecortada, antepalavras
Silenciais, licenciais, contratuais
Postepalavras iluminando
Entrelinhas do escuro

Fosse isso tudo um muro
Na frente dele, você.

Palavrando Última (pro nome outro)

Senhora, tô insatisfeito
Espaço de sobra
E eu ainda rarefeito

Tô peneirando o ar com as mãos
E nesse gesto não cato nem palavrão
E o que poderia de ser?

Tô cheirando a terra com os nãos
E desse jeito não farejo nem emoção
E o se poderia de ter?

Silêncio é bom. Silêncio é ruim.
Matutando, cavucando, simulando, fabulando
Algo flor, ausenciada, enunciado, anunciada
Resvalando, faltando faltando faltando
Apressado, repetidamente gerundiando
Agora a coisa. A coisa e tal. Tal coisa assim.

Sem hora, tô insatisfeito
Sobre o espaço
Ainda eu e raro efeito:
pra todo efeito, sem defeitos em si sê-los, selando pronome efetivamente em mim.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Manchete!

Atravessara a rua com um livro na mão
Se não tinha uma pessoa
Poesia sim tinha sua devoção
Absorvido e apaixonado pelo próprio sentir
Caminhara como que decifrando por onde ir

Então um carro analfabeto e seu dono embriagado
Não ligando pro leitor e sua leitura
Teve um inesperado encontro com a cultura
Brincando sem receio com a métrica
Rimou sem angústia, sem estética, e fez seu verso concretizado

Esse desfecho outrora pr'uma época tão futura
Foi que morrera, o pobre rico leitor, sem amargura
De poesia e de paixão

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Sentimental

O que diabos que eu tô sentindo? Que contradição mais coerente é essa que me define? Isso enquanto e tão somente quando houver tempo para o ponto final, sendo que eu sou sempre tão vírgula. Sempre. Mas hoje não. Já disse um dos muitos poetas que tiveram uma manhã ensolarada na cara, prestes a nublar e chovendo sarcasmo num sorriso torto do sol:
sempre não é todo dia.
Mas eu não gritei, nem escrevi, nem soquei, nem fudi, nem fumei, nem xinguei, nem rezei, nem repeti o quanto eu queria. Tem algo entalado aqui na garganta, prestes a sair, um silêncio urgente, colérico, pedindo por não sei lá o quê que realmente me tire do sério.

Uma paixão. É, uma paixão. Acumulada no corpo inteiro, empurrando tudo sem receio, na garganta: pedindo passagem.

sábado, 5 de setembro de 2009

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Vou de coletivo

Abandonando a noite pelo amanhã
Então. Dia desses 'tava conversando comigo mesmo. É, um tête-à-tête egocêntrico que costuma até ser divertido (a gente se entende melhor do que o outro - se não, pelo menos gostamos de achar que sim -, pelo menos com uma precisão maior).
Cheguei à conclusão de que as maiores sacadas qu'eu tenho me esbofeteiam quando tô sozinho e sem papel. Isso, inclusive, foi bem na cara. Assim mesmo: uma danada crueldade temperada por Murphy, bem salgada justo quando o que mais quero é um brigadeiro.Tá me acompanhando? Eu até que tô.
Então. 'tava lá e lá era fora do trabalho, fora da faculdade, cheio de gente e eu sozinho, e não fora mas dentro de mim. Largando pra trás enquanto hoje já fosse depois e fosse tarde demais pro que deixei pra lá. Porque deixei mesmo, feito pele, cabelo, paciência, tempo e neurônio. A gente vai largando por aí, sem perceber, e uns pra sempre.
Minha cadeira, meu mundo. O seu motor, trilha sonora. Sua estrada, uma anunciação. Meus pensamentos, pó de areia nos olhos.
Então. Dormi.
Movimento, movimento, movimento. Sem caneta e sem papel. Deixei boa parte do que era muito bom em mim mesmo perdido aqui pro que tá fora. Encardido do dia que venci ou mesmo que perdi por gostar de riscos, desenhando bons motivos, rabiscando cotidianos.
Saí de lá e cá acordei: porta de casa. Sim, claro que sim, vou caminhar bons quilômetros, porque a entrada ainda tá distante. Mas aqui, tudo isso, já é meu lar. Eu fiz com que fosse, por quantos dias eu quiser que seja.
Sendo assim, tudo aqui é meu e eu tô todo livre. Só ser.
Sendo assim.
Acordado no meu construído espaço, entregue pelo meu ateliê de metal (onde esboço e exerço dia-a-dia um novo quadro mental).
Comecei a ir em direção da minha entrada, minha cama, suficientemente distante da noite.
Então. Acordado e caminhando, olhei pra baixo e não vi meus pés no chão.
Duvidei do despertar.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Eu e o que eu gostaria

Perfil

Eu choro com filmes e música, me arrepio até a alma
Me emociono com teatro, levanto, bato palma
Eu acordo bem humorado, quase sempre
Nunca irritado, mas um olhar deprimido de quem sente
O cansaço que os dias nos rendem
Eu sou bobo, faço piada sobre tudo e não deixo passar as ruins
Porque se fosse sempre bom, seria mentira, e não sou assim
Eu me atiro, meu coração tem um gatilho potente pro amor
Minha mira falha com frequencia mas até lá o que eu sinto não é dor
O novo é meu como o ar tem que ser
Então sou inquieto, imcompleto, inacabado
Incerto é o futuro e é melhor do que futuros pré-datados

Não gosto de mentira, então sou sempre sincero
Me emociono pela própria vida, elogiá-la é o que quero

E não disse que era fácil
Nem disse que isso importaria
Eu sou isso, um risco, como você
Correria?


Ser

Você é bem o que eu queria
Um risco, a fogo, a gosto, à caneta
Com cheiro de flor, cheiro de vida
Um friozinho na barriga
Colorida, brilhante e sombria

Transparente água de riacho doce
Cachoeira sobre mim você é hoje
Vasta, profunda, cheia de mistérios
Um mar no amar salgado dos outros dias

Então eu só devo repetir
Que você é bem isso mal ou bem dito
Um tremendo risco
Que eu sem hesitar
No apressar das pernas
Definitivamente correria

terça-feira, 25 de agosto de 2009

(Só) até eu me apaixonar

Eu desisto. Dos relacionamentos, dos recomeços - que nunca se iniciam. Sou iniciado na capacidade de só ser e ser só. Autonomia. Até faria... sentido.
Não gosto do meu faro; tem bom gosto, mas só me leva a cheiro que não posso ter. E eu sou dado a ter cheiros. E que cheiro...

Azar. Sina de poeta - assina minha espera.
E eu espero: que eu mude de idéia e esse querer me saia da cabeça.
E essa trava que se exploda e meu sorriso tu me seja.

sábado, 22 de agosto de 2009

Cronicamente falando

Está chovendo. Diante de mim, um chafariz no qual você se encaixa. Mas o impasse tá no não: você não existe e ainda assim é exatamente - fio de cabelo, cheiro, cangote, sorriso, caos - o que eu vejo.
Desejo: palavra ruim pra escrever sozinho. Mesmo assim, tô aqui todo à caneta. Se erro, não nego, deixo gravado. Mas circulo o espaço que tá vazio, pensando numa onça pintada no cio, doida por eu cachorro vagabundo. Não tem metáfora que nessas horas seja a certa. Porém só a sua possibilidade em cheio me acerta.
É um sentimento crônico. É o cimento do meu olhar atônito.
Pois eu não sei... errei a hora e passei direto? O objeto da minha torrente já chegou?

Sentimento assim dá ponto final com ares reticentes.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Dois momentos (Uma semana)


Numa segunda
Recomeçaram-se todos os recomeços
Cristificando o fim em ressureição
Brincando com o vazio transmutado:
Vida profunda
E na profundidade é que se sente:
Eu fiz a escolha e a vida fez roteiro
Motivo pra continuar de passagem
Não contesto
Sou teimoso revivido
Razões pra viver eu acho sempre

Tudo isso:

não mais que de repente

Num segundo
Desencontraram-se todos os desencontros
Mistificando o toque da tua boca carnuda
Macia pro olho, valendo até a recusa:
Um mundo
E desse mundo, é o seguinte:
Eu fiz o convite e você é toda festa
Me chama pra entrar, abre passagem
Não contesta
Sejamos filme proibido
Daqueles que todo moleque assiste
E por favor:
Nos permitamos a reprise
Então uma semana, em dois momentos
Um mundo inteiro num só
Quem sabe um dia emana a ira
Dos não fazeres
No desejo de secar a boca no boca a boca
Dos quereres

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

No mesmo dia em que...

...sonhei.
Você, toda de preto, batom vermelho, olhar debochado. Saiu de casa. Foi-se com a minha cara estatelada no chão. Depois me volta e antes da minha crescente revolta me presenteia. Acabou a briga.

Sonhei. E recebo uma nota fiscal naquele e-mail que carrega uma parte de você. No mesmo dia.

Não vou telefonar. Não vou mandar mensagens. Muito menos cartas.

Bem que queria.

Faltou ar.


Pedido

Fui embora.
Tenho agora várias histórias
E novos mapas
Alguns calos pra chorar, algumas fotos pra lembrar
Muitas casas
Mato e asfalto, céu e mar
Mergulhos, caminhadas, corridas e saltos livres
Tô de passagem pra cantar
Por onde estive
Tem rota nova pra seguir
Tem lugar novo pra assentar
Abre a porta.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

E você ainda me diz que eu não gosto

Poesia livre (salve Chico!)

Escuto a correria da paisagem
Uma pintura de tinta fresca
Viva, latejando, uma pulsante acidez
Só não me alcança quando há violência
Esta nascendo em não saber aproveitar...

Inspira-me para eu expirar.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

4 impressões de 1 dia.

Sobre minha guia...

Sobretudo

Uma mulher...
Culta, divertida
Essencialmente cálida
Explicitamente vida
Toda carne, na hora certa
Acerta o espírito
Com sinceridade
No riso e no choro
No tapa e no gozo
Cem por cento eu, cem por cento ela
Vento envolvente, energizante
Um puro ar de mão estendida
E eu estendo a minha
Entendendo,
uma mulher.

Sobre uma fantasia...

Pedido

Fui embora.

Tenho agora várias histórias
E novos mapas
Alguns calos pra chorar, algumas fotos pra lembrar
Muitas casas
Mato e asfalto, céu e mar
Mergulhos, caminhadas, corridas e saltos livres
Tô de passagem pra cantar
Por onde estive
Tem rota nova pra seguir
Tem lugar novo pra assentar

Abre a porta.

Sobre as companhias...

Etnosintônicos

Música ambiente? Não.
Ambiente musical
Conversas diversas, sentados ao chão
Encontros de gostos, um todo
Etnoplural

Portas abertas, que humanidade!
Distancia a tal normalidade
Do que o cotidiano faz de você
Se 'cê não se defender

Eu quero mais isto
Aliás, quero sempre!
Não há nada mais melódico
Do que este presente

Sobre uma (no meio de tanta) conversa...

Privilégios

Eu não.
Você sempre.
Eu como.
Você só sente.
Eu termino.
Você nem imagina.
Eu vivo.
Você ainda respira.

Um acima dos outros
E correndo atrás
Quem veste as mortalhas
Encarnando a sina
Tomando fôlego

Eu estou feliz.

sábado, 1 de agosto de 2009

It's all about the fuckin' stupid ache I'm missing

Renascida em mim (sem defesa)

Olha...
Acho que é o sorriso que me mata
Uma morte pequenina, mas vem me acontecendo
Enquanto vou cometendo esse tal relembrar
Você tão bonita nas minhas mãos
Eu tão alegria no teu olhar
Quatro olhos na mesma direção
Eu me julgo agora sobre como acaba

Fecho os olhos.
Aquela beleza toda não era mais presente
Presentes eram poucas verdades daquele novo casal
Pois euevocê transmutou-se em outracoisa
Mas ainda dói dar um final
Será que nosso filme travou de repente
e ainda vai rolar um fechamento?
Será que vai ter outra praia
abraçando um renascimento?

Fecho a boca.
Eu não te conheço
Nem você
Eu me assusto sim, eu sinto falta sim
Você sempre será uma extraordinary machine
Essa noite eu fiquei sem defesa pro passado
Lágrimas nos olhos escorrendo depois
Pelo meu rosto marcado
Sangrei por você.
Senti você essa noite
E não sei descrever o poder dessa foice
Que veio me fazer querer

Cala minha boca, Ilusão
Rasga o meu corpo, agridoce Sonho
Me deixe deitado noutro chão (não o teu)
Vivendo (amaldiçoando) um amanhecer enfadonho



Ninguém pode dizer o que eu sinto quando eu ainda me reservo a surpresa comigo mesmo.
We can't help it the road just rolls out behind us...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Um poeta impiedoso mira primeiro nele mesmo (e acerta)


Eu sou um palhaço pra mim mesmo

E minhas crianças todas odeiam

Criança quer novidade

Motivo pra trabalhar sua preciosa curiosidade

Mas eu só conheço as mesmas histórias

As mesmas piadas permeiam minha memória

Então não há esforço que desencontre desprezo



Eu sou um músico pra ninguém

Um público não existe sem voz, sem instrumento

Esses querem disfarce

Motivo pra acreditar noutra realidade

Mas eu não tenho ponte, só um beco

As mesmas pedras vem me encontrar, assim eu perco

Então não há espaço que caiba meu sentimento



Eu sou um poeta pra ela

E ela me lê quando me acha

Mas ela eu não sei o que quer

Motivo pra sorrir, se sentir viva, algo pra ficar em pé

Mas eu só me tenho como oferenda

As mesmas verdades e desejos sinceros, que ela se renda

Então não há nada mais incerto do que essa estrada



O que me comove, até me abriga

É como o sinuoso jeito de querer

O que não se sabe ser possível ter

Tem me servido de combustível

Então nesses três lados, o que você acha?

Menina, ser poeta me basta!



segunda-feira, 20 de julho de 2009

A origem e sua deturpação

Banho (rural)

De cabaça na mão, céu nos cabelos
à tarde era que a moça desertava
dos arenzés de alcova. Caminhando

um passo brando pelas roças ia
nas vingas nem tocando; reesmagava
na areia os próprios passos, tinha o rio

com margens engolidas por tabocas,
feito mais de abandono que de estrada
e muito mais de estrada que de rio

onde em cacimba e lodo se assentava
água salobre rasa. Salitroso
era o também caminho da cacimba

e mais: o salitroso era deserto.
A moça ali perdia-se, afundava-se
enchendo o vasilhame, aventurava

por longo capinzal, cantarolando;
desfibrava os cabelos, a rodilha
e seus vestidos, presos nos tapumes

velando vales, curvas e ravinas
(a rosa de seu ventre, sóis no busto)
libertas nesse banho vesperal.

Moldava-se em sabão, estremecida,
cada vez que dos ombros escorrendo
o frio d'água era carícia antiga.

Secava-se no vento, recolhia
só noite e essências, mansa carregando-as
na morna geografia de seu corpo.

Depois, voltava lentamente os rastos
em deriva à cacimba, se encontrava
nas águas: infinita, liquefeita.

Então era que a moça regressava
tendo nos olhos cânticos e aromas
apreendidos no entardecer rural.

Zila Mamede

Banho (urbano)

De mochila na mão, poluição nos cabelos
à noite era que o moço desertava
dos arreios de gangorra. Acelerando

um passo manco pelas ruas ia
nas paredes se encostando; ressondava
na calçada os próprios passos, tinha o Rio

com marginais regurgitados por apostas,
feito mais de solidão que de morada
e muito menos de morada que delírio

onde em alma e rosto confessava
água de esgoto rasa. Desgostoso
era o também caminho da alma

e mais: o desgosto era deserto.
O moço ali perdia-se, afundava-se
secando o vasilhame, aventurava

por longa rodovia, silenciando;
desfibrava os gracejos, a cortina
e seus abrigos, presos nos costumes

velando males, curvas e rapinas
(a pedra de seu peito, voz no susto)
presas nesse banho noturnal.

Moldava-se em espera, estremecido
cada vez que dos olhos escorrendo
o quente d'água salgada e ardida vinha.

Secava-se no tempo, recolhia
só foi-se e essências, bruto embalando-as
na morta geografia de seu corpo.

Depois, voltava lentamente os restos
em deriva a alma, se encontrava
nas águas: dissolvida, malfeita.

Então era que o moço relembrava
tendo nos olhos lânguidos hematomas
apreendidos no anoitecer invernal.

Alexsandro S. C.


Escutando com gosto e entrega: