quarta-feira, 22 de julho de 2009

Um poeta impiedoso mira primeiro nele mesmo (e acerta)


Eu sou um palhaço pra mim mesmo

E minhas crianças todas odeiam

Criança quer novidade

Motivo pra trabalhar sua preciosa curiosidade

Mas eu só conheço as mesmas histórias

As mesmas piadas permeiam minha memória

Então não há esforço que desencontre desprezo



Eu sou um músico pra ninguém

Um público não existe sem voz, sem instrumento

Esses querem disfarce

Motivo pra acreditar noutra realidade

Mas eu não tenho ponte, só um beco

As mesmas pedras vem me encontrar, assim eu perco

Então não há espaço que caiba meu sentimento



Eu sou um poeta pra ela

E ela me lê quando me acha

Mas ela eu não sei o que quer

Motivo pra sorrir, se sentir viva, algo pra ficar em pé

Mas eu só me tenho como oferenda

As mesmas verdades e desejos sinceros, que ela se renda

Então não há nada mais incerto do que essa estrada



O que me comove, até me abriga

É como o sinuoso jeito de querer

O que não se sabe ser possível ter

Tem me servido de combustível

Então nesses três lados, o que você acha?

Menina, ser poeta me basta!



segunda-feira, 20 de julho de 2009

A origem e sua deturpação

Banho (rural)

De cabaça na mão, céu nos cabelos
à tarde era que a moça desertava
dos arenzés de alcova. Caminhando

um passo brando pelas roças ia
nas vingas nem tocando; reesmagava
na areia os próprios passos, tinha o rio

com margens engolidas por tabocas,
feito mais de abandono que de estrada
e muito mais de estrada que de rio

onde em cacimba e lodo se assentava
água salobre rasa. Salitroso
era o também caminho da cacimba

e mais: o salitroso era deserto.
A moça ali perdia-se, afundava-se
enchendo o vasilhame, aventurava

por longo capinzal, cantarolando;
desfibrava os cabelos, a rodilha
e seus vestidos, presos nos tapumes

velando vales, curvas e ravinas
(a rosa de seu ventre, sóis no busto)
libertas nesse banho vesperal.

Moldava-se em sabão, estremecida,
cada vez que dos ombros escorrendo
o frio d'água era carícia antiga.

Secava-se no vento, recolhia
só noite e essências, mansa carregando-as
na morna geografia de seu corpo.

Depois, voltava lentamente os rastos
em deriva à cacimba, se encontrava
nas águas: infinita, liquefeita.

Então era que a moça regressava
tendo nos olhos cânticos e aromas
apreendidos no entardecer rural.

Zila Mamede

Banho (urbano)

De mochila na mão, poluição nos cabelos
à noite era que o moço desertava
dos arreios de gangorra. Acelerando

um passo manco pelas ruas ia
nas paredes se encostando; ressondava
na calçada os próprios passos, tinha o Rio

com marginais regurgitados por apostas,
feito mais de solidão que de morada
e muito menos de morada que delírio

onde em alma e rosto confessava
água de esgoto rasa. Desgostoso
era o também caminho da alma

e mais: o desgosto era deserto.
O moço ali perdia-se, afundava-se
secando o vasilhame, aventurava

por longa rodovia, silenciando;
desfibrava os gracejos, a cortina
e seus abrigos, presos nos costumes

velando males, curvas e rapinas
(a pedra de seu peito, voz no susto)
presas nesse banho noturnal.

Moldava-se em espera, estremecido
cada vez que dos olhos escorrendo
o quente d'água salgada e ardida vinha.

Secava-se no tempo, recolhia
só foi-se e essências, bruto embalando-as
na morta geografia de seu corpo.

Depois, voltava lentamente os restos
em deriva a alma, se encontrava
nas águas: dissolvida, malfeita.

Então era que o moço relembrava
tendo nos olhos lânguidos hematomas
apreendidos no anoitecer invernal.

Alexsandro S. C.


Escutando com gosto e entrega:

Feliz Dia do Amigo

Toca em todo lugar, só pra me assombrar.

domingo, 19 de julho de 2009

Eu sei...

...que não devia.

Desculpa.

Não precisa?

Acho que tô pedindo pra mim mesmo.

Desculpa.

...aquilo tudo que eu já te disse tanto.

Eu tô tenso. Me mexo, acho que o celular vibrou e minhas mãos correm pra atender. Ou não chamou ou não é você.
Era bem assim qu'eu não queria ficar. Agora tá tudo mais complicado.
Não queria me sentir desesperado.
Mas só quero um telefonema que amargamente tá fora da realidade.
Você dizendo...



sábado, 18 de julho de 2009

Imaginário suicida



Vejo minha cabeça rolando pela Avenida Brasil
Escarlateando o asfalto
Espalhando a violência de um corpovazio
Uma tinta que não é permanente
Evapora como eu
Poeira de rodovia
E poeira já não sente
Só se abriga
Entre as carnes expostas do mundo que não me quis
Não acho que vou, sujo o sujo de mim
Mas não penso - só inexisto de matéria
Convivendo com o mesmo não que antecede o nascer
Do mundo viro uma pulsante artéria
Bombeando um pedido em sobressalto
De ser uno com o nada ao invés de um tudo amargo
E essa poesia na janela do teu carro
Nunca mais escrever


"I'll hit the bottom... and escape."

Sim.

Sim, você tá sendo egoísta.
Sim, eu vou ficar bem.
Sim, vai passar.
Sim, você ainda é mais do que devia ser.
Sim, foi você quem sugeriu.
Sim, eu tô certo.

Dói, mas passa.

Quando? Com quais efeitos?
Esse é o nosso risco.

Eu não sou frio, só resolvi assentir e procurar me sentir mais amigo de mim mesmo.
Não vou me abandonar.
E vamos viver nossas vidas o tempo que for nesse desencontrar.

Em dor fina

Adoro aqueles momentos em que o sorriso se confunde com o choro,
Momentos onde me vejo neutro, percebo-me nulo
Aquela nulidade que se espalha, arrastada numa corrente de espinhos
Veia por veia no seu corpo
Assim a equação da faca mais a minha pele se resolve
Na liberdade da dor, zero
Meu corpo assim se dissolve e logo, sem perceber
Eu me lembro do mar
Aquele lugar que sempre foi do meu gosto
Guardado.
A recusa de ir ao seu encontro às vezes se traduz
Nos medos e vergonhas do mundo
Naquele sol que te descasca e mostra
A mesma criança encolhida e perdida
Naquele pedido pelo nada, na vida esquecida
Sempre me pareceu que meus pulsos
Em fina dor eram minha melhor endorfina
O mar depois da minha querida equação
É o início do meu processo,
cicatrização.

Excertos d'O Arado

Porque eu sei do que sofro:

Arado

Arado cultivadeira
rompe veios, morde chão
Ai uns olhos afiados
rasgando meu coração.

Arado dentes enxadas
lavancando capoeiras
Mil prometimentos, juras
faladas, reverdadeiras?

Arado ara picoteira
sega relha amanhamento,
me desata desse amor
ternura torturamento.

Porque eu ainda quero:

Um pássaro hás de me dar

Em manhã de pastoreio
ovelhas apriscando
largarás de tuas cismas
e cajado
que um pássaro me hás de dar
quando me amares.

Leve levemente mo trarás
das fontes dos teus olhos
sem nenhum pensamento
sem gesto liberto
a mansidão do teu silêncio
apenas.

À minha face matutina
descerá uma carícia
de pássaro
pousado.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Isso não tem nome

Qual o mal no contemplar?
É o mundo novo que o outro se vai
E não se explica
É o indizível amor na nossa brincadeira de estar

Às vezes o sentir-se bem é tão forte
Que paralisa
Por que eu deveria querer outro gostar,
se é esse que ativa?
Um gatilho de memórias
Tem esse alvo, certeiro
Sentimento assim é melhor que não se veja
Um caminhar sorrateiro
É a calma da beleza

Mas é tua, tão tua, que é mais difícil que amarrar a lua
Esse brinquedo dos enamorados
Não dá pra exigir perto alguém tão grande
Eu sou o que sou diante de olhares desesperados:
é terno amar, doendo o que seja, o resto é gigante

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sobre silêncios e o entre

Eu tô ferrado. E preciso falar. Então eu retorno pr'esse mundo virtual à procura de pontes, nem que seja só pra ver o outro lado.

O silêncio preenche a alma quando se tem entre duas solidões. Quando se cala sozinho, é grito internalizado (quebrando tudo, espalhando na alma só pedaços).

Mas estamos aí. Porque o motivo pra viver é procurar um bom motivo pra fazê-lo. Porque o mais importante é o amor. É terno amar.

Desvios

Não acompanhei você
Caminhei ao seu lado
Minha cabeça girando de raiva
Só fui comprar cigarro

Até você pedir desculpas
Até o ponto
Que você vai olhar
Dentre tantos espaços pra caminhar
Não ande por aquelas ruas
Ali eu não me encontro

Vamos nos resolver, menina
A gente sempre tão junto
Nosso melhor assunto
É nossa sina

Eu não preciso de outra: teu mau humor, teu aperto, tua manha, teu beijo...
...e sua bagunça toda

Qual o fim dessa história?
Eu tô doido pra escutar
Tua resposta
Indicando um início
Reaproveitando nosso vício
Na surpresa de começar